Há Quinta

Aparição

«Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de Verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa. Olho essa jarra, e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens. No chão da velha casa a água da lua fascina-me. Tento, há quantos anos, vencer a dureza dos dias, das ideias solidificadas, a espessura dos hábitos, que me constrange e tranquiliza. Tento descobrir a face última das coisas e ler aí a minha verdade perfeita Mas tudo esquece tão cedo, tudo é tão cedo inacessível. Nesta casa enorme e deserta, nesta noite ofegante, neste silêncio de estalactites, a lua sabe a minha voz primordial.» FERREIRA, Vergílio - Aparição. Bertrand , 2003. ISBN 972-25-0251-4

Não queria acreditar na atenção que dispensei à conversa da Natália. Perdi a noção do tempo. Natália era uma galinha muito bem informada. Intrigava-me o motivo que a levava a despejar esta informação toda connosco. Não nos conhece. Não sabe de onde viemos e quais as nossas intenções. O que pretende? O facto de nos passar as suas opiniões sobre os habitantes da quinta, não nos permite tirar as nossas próprias elações, e partimos para o conhecimento destas personagens já com algumas ideias pré-concebidas. Natália continuava a falar de Jacó - Jacó, cresceu assim, demasiado protegido, nunca sendo exposto a qualquer situação minimamente perigosa, e sendo sempre feita a sua vontade. – O meu esforço para me abstrair não estava a ser suficiente. Procurei focar a minha atenção noutro ponto, mas não havia onde. Estava tudo muito calmo. Demasiado calmo. O reboliço havia terminado sem darmos por isso.

0 comentários:

Enviar um comentário